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CAPITULO VI – O que significa decidir os próprios caminhos?

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Propunha um encontro às 17h, na praça ao lado do hostel. Teria, portanto, cerca de três horas com ele antes do meu ônibus sair. Passei antes no banheiro, e me detive perplexa diante do espelho. Roupas largas com bolsos grandes, suor, olheiras, um rabo de cavalo e a indisfarçável palidez de quem ainda se recuperava de uma infecção alimentar. Nada de maquiagem, perfume, decote, cabelo armado. Logo me conformei e até senti despontar dentro de mim certa curiosidade com um primeiro encontro, assim, excessivamente honesto, sem quaisquer manobras de sedução. Fui até lá caminhando num passo lento, mas senti que estava ofegante. Conhecer uma pessoa nova é sempre perturbador. Fascinante, mas perturbador. Qualquer movimento é potencialmente fatal. Exige muita energia, atenção constante e uma boa dose de traquejo na arte do improviso. São mergulhos rápidos em um universo totalmente estranho, então é preciso fazer as perguntas certas, ser comedido nas respostas e manter uma elasticidade de humo

CAPITULO V – O silêncio em Arequipa e a minha estreia no Tinder

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Comprei dois litros de soro para desidratação e a passagem para Arequipa. Eu sabia de pouca coisa para fazer por lá: uma longa trilha para subir o vulcão Misti e um passeio pelo Cânion do Colca para apreciar condores. No entanto, os relatos sobre a trilha descreviam um caminho extenuante e com poucas compensações em matéria de visual. O atrativo, aparentemente, era de que poucas pessoas teriam terminado o trajeto. Atrativo, seria? Se nem saudável eu talvez tivesse condições físicas, doente tampouco. O cânion exigia ao menos três dias, e não havia garantia de que os condores apareceriam. Eu começava a entender por que as pessoas diziam que Arequipa não seria um destino indispensável. Cheguei e me instalei num hostel no centro, era um casarão antigo, silencioso, com papel de parede de temas florais clássicos e maçanetas douradas. As pessoas que circulavam por lá não pareciam turistas, mas famílias de passagem pelo local. O centro da cidade era lindo, todo acinzentado, construído

CAPÍTULO IV - O sofrido retorno a Cusco

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Durante todas as viagens, por vezes me permito pequenas extravagâncias, alterno vários dias de hostel, dividindo quarto com 4, 6, 8, 10 até 15 pessoas, com um dia em um hotel mais aconchegante, pra dormir sozinha, pra ter um bom café da manhã, pra poder caminhar nua pelo quarto falando ao telefone, ouvindo música, pra não me preocupar em levarem meu dinheiro, celular, documentos. Nessas ocasiões constato o verdadeiro privilégio de uma suíte, e me consinto o capricho de ter um banheiro só meu, e poder acessá-lo sem ter de escalar uma cama beliche, muitas vezes frágil e barulhenta, nem atravessar um corredor gélido, com as suas infinitas portas e parcas luzes. Também certas extravagâncias em matéria de restaurantes. Tinha sido um dia fisicamente exaustivo. Já havia feito o check out e precisava esperar algumas horas até a saída do trem de volta a Cusco. Decidi ficar num bistrô que emulava a imponência e elegância europeias, onde circulavam garçons exímios na verdadeira arte de servir, d

CAPÍTULO III - A caminho de Machu Picchu

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Conheci uma argentina no hostel e descobrimos que iríamos no mesmo dia para Machu Picchu e ficaríamos no mesmo hostel em Águas Calientes, o que não era tão ao acaso já que se tratava da mesma rede daquele em que estávamos em Cusco, e que era ótima, a Ecopackers . Ambas havíamos comprado a entrada para escalar a montanha mais alta, Huayna Picchu. A entrada para Machu Picchu não contempla a entrada para as duas montanhas localizadas em seu interior, a Machu Picchu e a Huayna Picchu, o que deveria ser comprado à parte. Como todas as minhas decisões, eu ainda estava em dúvida acerca de qual subiria até o momento fatal, ou seja, quando ainda estava na fila, chegando a minha vez de ser atendida. Estava com medo de fazer o trajeto mais desafiador, embora parecesse viável para alguém com a minha idade e preparo físico mediano. Foi o meu ex-namorado quem me apresentou o prazer da trilha, que não era nada prazeroso ao princípio. Foi pra isso que eu caminhei quatro horas com uma mochila p

CAPITULO II – Primeiro dia em Cusco

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Prim eiro dia em Cusco. O ideal seria aguardar cerca de três dias, aclimatando-se, antes de ir a Machu Picchu, de modo que teria bastante tempo por lá. Já começava a sentir distante a memória do meu ex-namorado tamanha a avalanche de estímulos. Estava com medo do soroche , o mal da montanha. Falava-se disso em todos os guias e blogs, comentava-se nos cafés, era preciso comer leve, não fazer muito esforço e estar atento à respiração. Mascar folha de coca me parecia ser a técnica mais genuína e honesta para driblar o soroche , já que se via nas mãos dos camponeses como parte de sua esplêndida indumentária. Nada de pílulas de farmácia, essas caras e artificiais, acondicionadas em embalagens estéreis e coloridas, que me pareciam especialmente voltadas aos turistas que não confiam no poder magnânimo da natureza e estão sempre prontos a gastar à toa. Afora o leve sentimento de transgressão em carregá-las, gostava de – já com falta de ar –     sentar na calçada, sacar um punhado de co

PERU - CAPÍTULO I – Por que Machu Picchu?

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Con hecer Machu Picchu era um sonho do meu ex-namorado. Se tornou meu sonho. Os sonhos dele costumavam se tornar meus sonhos, não sei se por comodismo ou falta de identidade. Talvez conveniência. Era conveniente que tivéssemos os mesmos planos para que pudéssemos executá-los juntos, do contrário deixaríamos de ser um casal. E deixamos, mas continuamos os dois querendo ir pra Machu Picchu. Ele foi antes, com a namorada nova. Ela é do tipo que gosta de tirar fotos usando a sua melhor cara de prazer, embora em algumas delas pareça um prazer que excede a dose de prazer normalmente despertada por aquele tipo de momento, algo como um sorriso grande e chacoalhado dentro de uma sala de museu cheia de visitantes intrigados diante de telas enigmáticas. Gosta também de fazer vídeos que parecem causar certo estranhamento por destoar da atmosfera do espaço, tipo alguém que rodopia dentro de um templo sagrado, não sendo, claro, um  dervish . Não é em nada relevante confessar como essas imagens me ch